terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sobre vícios

Era noite, era inverno, estava frio.
Ela caminhava olhando para o salto com receio de estragá-lo em uma poça de lama. De repente alguém cruzou o seu caminho e era um vulto familiar, com cheiro inebriante (ao menos pra ela).
E era ele!
A esta altura do campeonato desde que ele havia a deixado, ela tinha ido em três cartomantes, fumado cinco carteiras de cigarro por dia (pouco? Mas ela não fuma!), ingerido cinco caixas de BIS escuro e feito promessa pros santos existentes no calendário.
Ela não sabia agora se era devido aos pedidos ou às barganhas com as divindades, mas era ele ali na sua frente e isso por si só era um presente Divino.

 Ele tinha este poder estarrecedor sobre ela. A fazia ter náuseas, a esquecer de respirar, a chupar a barriga até quase encostar na espinha, a ser ela mesma, falando besteira, sorrindo pro vento.

Era ele sim e ponto final. Ele  dispensava as explicações. Qualquer explicação ficaria aquém das sensações que conseguia provocar nela, desde dor até pigarro.
E ela queria sorver cada detalhe. Queria embriagar-se de cada mínimo detalhe que compunham o todo. Queria sentir, cheirar, respirar até esgotar tudo o que tinha dentro, toda a vida de sentimentos.
Esgotar, ver, justificar, desejar... Todos os verbos e advérbios nominais cabiam nas sensações, nas mãos entrelaçadas, nos lábios encostados, nos fluidos trocados .
Era bem mais que vontade, era bem mais que amor. 
Era uma sorte, era uma safra de morangos suculentos (se precisasse comparar).
Era tudo junto, era misturado. Era riso, era chôro, era alegria e era dor.

Era e seria quantas vezes mais fosse preciso.

Depois de tudo a sensação de embriaguez, a sensação do mundo girar ao redor. Como se os processos divinos/ meteorológicos/ materiais fossem comungados diante de cada arroubo de felicidade destinado à ela, unica e exclusivamente.

Saiu de lá e foi pra uma clínica de reabilitação:
-Em que posso ajudar? - Indagou a recepcionista.
-Aqui ajudam a desintoxicar de um vício?- Ela perguntou envergonhada.
-Sim, mas a pessoa tem que querer, se não o tratamento não funciona.

Ela bateu os pés em debandada e antes de chegar à porta deu novamente meia volta.
 Dizem que morreu assim, coitada, sem saber se queria ou não livrar-se do vício de tê-lo.

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